(…) “Somente a Festa dos Santos Reis mantém vivas as tradições do povo. A multidão converge de todos os recantos da cidade para o largo em frente da igrejinha modesta, na qual se acham as imagens de Gaspar, Belchior e Baltazar, presente de El Rey Dom José I, no longínquo ano de 1752. Por que a animação toda desta festa, quando se sabe que os festejos de cunho religioso e popular tendem a se acabar? Difícil uma explicação. Talvez influa o ambiente provinciano do bairro de Santos Reis.
Nas noites de 3 a 6 de janeiro o reboliço aumenta. Ao lado da capela, barracas de palha de coqueiro ficam entupidas de gente; quem não bebe cerveja, toma bicadas de cachaça com tira-gosto de linguiça torrada.
— Bote mais uma aí, Seu Menino.
Pela praça, dezenas de bancas vendem coisas com sabor de infância: sequilhos, ôce-sêco, grude de Extremoz, pé-de-moleque, amendoim torrado, rolete de cana, cocadas, bolo de mandioca mole e — para maior graça e poesia — uns barquinhos de papel de seda colorido, cheios de castanhas assadas. Outras coisas lembram os tempos de menino; por exemplo, aquele jogo que consiste em se atirar, de certa distância, uma argola e com ela acertar uma carteira de cigarros, um isqueiro vagabundo ou coisa assim.
Na rua, ao lado da praça, um parque de diversões atrai levas de gente. Tem carrossel, roda-gigante, balanços e, como atração maior, o pavilhão com a mulher que vira macaco, “estranho fenômeno que a ciência não explica” — diz o alto-falante.
Um mulato pernóstico a grego a as virtudes do coco verde que está vendendo:
— É diurético!
A empregadinha doméstica vai passando, estranha:
— O quê, Seu Zé, tá me descompondo?
No centro da praça está armado um palanque, e nele dois locutores se empenham num dueto de besteiras, enchendo o saco. Eles se calam quando chega o Pastoril Caldas Moreira. Na Festa dos Santos Reis as danças folclóricas ainda têm vez.
Depois do pastoril apresenta-se o Boi Calemba ou Boi de Reis, que, como o próprio nome indica, é auto típico destes festejos (Em outras partes do Brasil dizem-no Bumba-Meu-Boi ou Boi-Bumbá)
.
Mas o programa prossegue, e é a vez do bambelô Asa Branca, a roda de dançarinos se alucinando no ritmo frenético.
Para fechar a noite com chave de ouro, como diz o locutor, vem a Sociedade Araruna de Danças Antigas e Semi-Desaparecidas — os pares muito dignos, de braços dados, os homens ostentando fraque e cartola; as mulheres metidas em vestidos longos, fazendas ordinárias, vistosas, com surpreendentes estampas sobre motivos chineses. Ao som de uma pequena orquestra típica, eles dançam com graça as muitas partes — “camaleão”, “raposa”, etc. — em que se divide o baile. A platéia em torno do palanque aplaude, ao término de cada uma das partes, com entusiasmo.
Noita alta, festa acabada, a movimentação se restringe às barracas, aos bares improvisados, de onde saem grupos para serenatas.
O resto é silêncio...
Agora só ano que vem…” (ONOFRE JUNIOR, 1984, p. 35-37)
ONOFRE JUNIOR, Manoel. BREVIÁRIO DA CIDADE DO NATAL. 2. ed. Natal: CLIMA — Artes Gráficas e Publicidade Ltda, 1984. 159 p.
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