Cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales
A missa no coração dos fiéis
Dom Eugênio Eugênio de Araújo Sales.
O cumprimento do dever de assistir missa a cada domingo e nos dias santos é um dos sinais de uma vida religiosa autêntica. Diz o Catecismo da Igreja Católica (n° 2.181): "Aqueles que deliberadamente faltam a essa obrigação cometem pecado grave." A fidelidade às orientações e exigências da Igreja são fundamentais para ser membro vivo da obra de Cristo. A participação semanal ao Santo Sacrificio é importante fator, que nos alimenta em nossa fraqueza com a fortaleza que nasce da Eucaristia. Esse amparo espiritual faz-se mais significativo em nossos dias, pois uma mentalidade errónea sobre a liberdade favorece a escolhas de elementos eclesiais ao critério dos indivíduos e não segundo o ensino de Cristo. E assim, organizam uma religião que é católica apenas no nome.
Torna-se mais grave a questão quando o cristianismo é manipulado por opções ideológicas. Um exemplo é a palavra do papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil. A homilia em Aparecida, em 5 de julho de 1980, nos ajuda a discernir o verdadeiro do falso nessa matéria: "Qual é a missão da Igreja, se não a de fazer nascer o Cristo no coração dos fiéis [...]E este anúncio de Cristo Redentor, de sua mensagem de salvação, nã pode ser reduzido a um mero projeto humano de bem-estar e felicidade temporal. Tem, certamente, incidências na história humana, coletiva individual, mas é fundamentalmente anúncio da libertação do pecado
Prejudicando seriamente o plano de Deus, há os que reduzem Igreja à tentativa da construção de uma sociedade sem injustiças e outro que se limitam a uma espiritualidade sem um profundo vínculo com superação dos males, inclusive sociais, frutos do pecado. A orientaç correta é a que decorre dos ensinamentos de Jesus autenticamen transmitidos pela hierarquia.
A valorização da assistência à missa, dentro de um contex comunitário e, especialmente em dias de preceito, sofre com es tendências. Tal a importância do assunto, que o Papa foi levado a publicar precioso documento, a Carta Apostólica Dies Domini, dirigida ao episcopado, ao clero e aos fiéis, sobre a santificação do domingo, com data de 31 de maio de 1998. Relacionado com a assistência obrigatória às missas está o repouso dominical. Os primeiros cristãos necessitavam de dose de heroísmo para
viver a sua fé em virtude do ritmo dos dias do calendário. O grego e o romano não propiciavam aos fiéis o tempo livre do domingo e, em estes celebravam os oficios divinos na madrugada. Os costumes evoluíram à luz do cristianismo nascente. No século III, um consequência, autor escreveu o que já então se constatava em toda a região: a santificação do domingo já era observada. No entanto, ainda no século IV, um grupo de cristãos foi levado a um tribunal em castigo pelo delito de participar de reuniões ilícitas- no caso, a celebração eucaristica. A resposta foi clara e peremptória: "Temos celebrado a assembleia dominical porque não nos é permitido omiti-la". E morreram mártires de sua fé. A obrigatoriedade da assistência à missa aos domingos e dias santificados vem, pois, das origens do cristianismo. E hoje, às vésperas do Grande Jubileu, esse munus que caracteriza o católico deve ser objeto de um exame de consciência. Paralelamente ao ato litúrgico está o repouso dominical, objeto desse mesmo exame.
No decorrer destes dois milênios persistiu o preceito do primeiro dia da semana, em modalidades variadas. Constitui parte integrante da própria existência do fiel. Há causas que o escusam. Entre elas, a ausência do ministro ordenado. Nesses casos, o fiel é exortado vivamente - portanto, conselho e não dever - a participar da Liturgia da Palavra. O Código de Direito Canônico (can 1.248) recomenda, de modo claro, a dedicação de um tempo a atos piedosos que santifiquem Dia do Senhor. No entanto, a assistência à missa, mesmo celebrada fora da paróquia, é obrigatória, desde que não haja grave incômodo para ausentar-se dela. A obrigação perdura. O Código é claro: "E grave encargo a assistência à Missa aos domingos e festas de preceito. Somente uma causa suficiente a dispensa e, mesmo assim, recomenda-se substituí-la por práticas religiosas." (cânones 1.247 e 1.248). Trata-se de "recomendação".
Infelizmente, no período pos-conciliar surgiu a falsa informação de ter sido abolido o dever de assistência à missa aos domingos e dias santos, como a abstenção dos trabalhos servis no Dia do Senhor. O Catecisma da Igreja Católica (n° 2.181) usa como exemplo dos motivos serios, relevantes, que dispensem da obrigatoriedade da observância do Dia do Senhor, inclusive da Santa Missa: "Doença, cuidado com bebès, a que se poderiam acrescentar outros assemelhados, como distância do local da Santa Missa que, para percorrê-la, acarretasse incômodo de vulto. E, como se trata de uma participação comunitária, não cumpre esse compromisso quem assiste à transmissão pela televisão ou ouve pelo rádio, mesmo que seja de grande proveito espiritual. De modo particular, beneficiam-se de televisão ou rádio os enfermos e encarcerados, impedidos de chegar a uma igreja. O mesmo se diga dos que residem distante dos templos. A importància da fidelidade ao preceito grave da assistência à Santa Missa se origina do valor infinito do Santo Sacrificio explicitado pelas palavras do Santo Padre em Dies Domini.
Santificar o Dia do Senhor-assistência à missa dominical e repouso semanal-, favorecendo inclusive a vida familiar, é contribuir para a paz e a convivência pacífica na comunidade. Aproxima-nos do Senhor e abre novas perspectivas ao milênio que se aproxima, com o Jubileu do Nascimento de Cristo.
Jornal do Brasil - Sábado, 13 de novembro de 1999.
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